06 Dezembro 2022
"O Papa Francisco pode encontrar uma maneira de escutar as vozes dos grupos que ficaram à margem?", questiona Virginia Saldanha, em artigo publicado por UCA News, 05-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Virginia Saldanha é teóloga e jornalista indiana (Mumbai). Fundou e é secretária do Fórum das mulheres teólogas indianas, é ativista pelos direitos das mulheres na Igreja e na sociedade. Foi Secretária Executiva do Departamento para os Leigos e Família do Fórum dos bispos católicos da Ásia e presidiu a Comissão para as mulheres dos bispos indianos. Autora de quatro livros, entre os quais “Woman Image of God” (Mulher imagem de Deus, em tradução livre), colabora com numerosas revistas teológicas, jornais e periódicos católicos. Está engajada em apoiar as mulheres vítimas de abuso na Igreja e na defesa da dignidade de pessoas LGBTI+.
Recentemente, a revista America, dirigida pelos jesuítas, entrevistou o Papa Francisco sobre vários temas de atualidade. Entre várias coisas, perguntaram-lhe o que diria às mulheres que já prestam serviço na Igreja, mas que sentem fortemente o chamado para serem padres na Igreja Católica.
O Papa Francisco reforça o binário de gênero apontando para o princípio petrino, segundo o qual Jesus escolheu Pedro como chefe da Igreja e 12 apóstolos homens porque Jesus, nosso sumo sacerdote, era homem!
O Papa Francisco sugere que as mulheres não têm lugar no princípio petrino.
Por outro lado, o princípio mariano é um espelho da Igreja como mulher e como esposa de Cristo.
Ele então sugere que as mulheres devem se contentar em ser a imagem especular da Igreja que representa a noiva de Cristo – que explicação tortuosa para comunicar às mulheres que somos uma parte importante da Igreja Católica dominada pelos homens!
Como mulher, não sei se devo rir ou chorar diante da sugestão do Papa Francisco sobre a posição das mulheres na Igreja. Como uma instituição governada exclusivamente por homens pode ser "mulher"? Como tal instituição pode ser "noiva" de Cristo?
Eu me pergunto se talvez essa ideia teológica da Igreja como mulher e noiva de Cristo e dos padres homens como representantes de Cristo possa estar na raiz dos abusos sexuais de mulheres pelo clero.
O Papa Francisco sugere que o lugar das mulheres na Igreja é um problema teológico que deve ser resolvido elaborando uma teologia sobre as mulheres.
Quando o Papa Francisco diz “devemos elaborar uma teologia sobre as mulheres”, quer dizer que os líderes homens devem elaborar uma teologia sobre as mulheres?
Gostaria de recordar ao Papa Francisco que existem numerosas mulheres teólogas, excelentes e que sabem expressar perfeitamente o seu pensamento, que já falaram sobre as posições das mulheres na Igreja.
A reproposição dos princípios petrino e mariano pelo Papa Francisco indica que ele, o líder da Igreja, não se preocupou em ler os escritos das teólogas feministas dos últimos cinquenta anos.
As estudiosas feministas das Escrituras apontaram que Jesus nunca ordenou nenhum padre.
Na última ceia estavam presentes homens e mulheres quando ele disse: "Fazei isto em minha memória."
Nas Escrituras, as mulheres discípulas eram as seguidoras mais fiéis de Jesus. Ele até escolheu uma mulher para levar a boa notícia de sua ressurreição ao mundo. Jesus realmente não gostaria de mulheres líderes na Igreja?
A terceira explicação que o papa oferece é aquela que define como "administrativa".
Ele enfatiza que na Igreja há um papel ministerial e eclesial reservado aos homens. Depois, há o papel administrativo que até agora havia sido dominado pelos homens, mas o Papa Francisco começou recentemente a abri-lo para a participação das mulheres.
Admite que “precisamos dar mais espaço às mulheres”.
Embora as mulheres apreciem os passos que o Papa Francisco realizou para promover uma reforma na Igreja e na Cúria Romana, sua resposta sobre a ordenação feminina preocupou muitas pessoas de mentalidade progressista, mulheres e homens, especialmente quando ele a define como um problema teológico.
É pertinente notar que a teologia citada pelo Papa Francisco foi enunciada por homens a partir de uma perspectiva masculina.
As mulheres entraram no campo da teologia somente após o Concílio Vaticano II. Desde então, as mulheres estudaram as Escrituras e as interpretaram através de uma lente feminina que trouxe perspectivas novas e inéditas que os homens nunca poderiam ter visto.
Mas, de alguma forma, a Igreja não reconheceu essas perspectivas nem ouviu o que as mulheres têm a dizer. As vozes das mulheres continuam a ser descartadas com base em uma teologia que não foi atualizada para incluir o pensamento das mulheres sobre Deus e sobre como Deus fala com as mulheres no contexto de suas vidas.
A razão pela qual as mulheres precisam de um lugar à "mesa" é que somente através do ministério ordenado podem ser tomadas decisões que afetam a todos na Igreja. As vozes das mulheres faltaram na mesa onde as decisões são tomadas na Igreja.
O iminente sínodo sobre sinodalidade se propõe a escutar as vozes de todos. As mulheres na Igreja foram as participantes mais entusiásticas nas discussões sinodais de base, mas sua voz não foi ouvida, porque os líderes homens da Igreja podem escolher qual voz será ouvida.
Ninguém pode negar que as mulheres são as mais ativas em nível paroquial e pastoral da Igreja. No entanto, as mulheres continuam a ser mantidas embaixo como os proverbiais "escravos" na Igreja.
No entanto, o que as mulheres em todo o mundo estão pedindo são papéis ministeriais ativos, mas suas vozes são silenciadas por uma postura teológica machista.
O Papa Francisco pediu a todos de participar das sessões de escuta. De alguma forma, os bispos escolheram apenas aqueles com quem se sentem mais confortáveis, enquanto outros nunca foram escutados.
O Papa Francisco pode encontrar uma maneira de escutar as vozes dos grupos que ficaram à margem?
Se o Papa estiver realmente intencionado em promover uma cultura do encontro e da escuta, convocará as mulheres, não só as religiosas, mas também as leigas, e as escutará. Hoje, os modernos meios de comunicação podem facilmente tornar isso possível. Que o Espírito de Sabedoria (“Spirit Sophia”) continue trabalhando e inspirando a Igreja para guiá-la rumo à plenitude.
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Por que acho preocupantes as ideias do papa sobre as mulheres padre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU